sábado, 25 de setembro de 2010

A Morte de Portugal, para ler e pensar



«A MORTE DE PORTUGAL» - REFLEXÃO SOBRE NÓS, NUM ENSAIO DE MIGUEL REAL
Por TERESA SÁ COUTO ( http://comlivros-teresa.blogspot.com/ )

A «”morte de Portugal” não significa que Portugal desapareça (Portugal “dura”, escrevia Eça de Queirós durante a crise do Ultimatum; é, aliás, a sua grande virtude, não dar felicidade ao seu povo, mas durar, sobreviver, existir por existir, criando contínuas mitologias que justifiquem a sua existência)», diz Miguel Real .A morte de Portugal residirá, então, no desaparecimento de toda a originalidade portuguesa substituída pela vertigem estrangeira por uma «ditadura tecnocrática» instituída por «técnicos medíocres» para quem só conta «primeiro, a contabilidade das estatísticas, e, segundo, o sentido europeu das estatísticas». Mais, acrescenta Miguel Real:
«em nome de um orçamento metafísico e de uma canina imitação do pior da Europa, terão sido eliminados por este os curtos direitos ganhos pelas populações desde o 25 de Abril de 1974 (ter escola na sua terra, ter maternidade na sua terra, ter assistência hospitalar na sua terra, ter dinheiro suficiente para ir ao dentista, ter reforma garantida). É um Portugal solto, desregrado, cheirando alarvemente a dinheiro, os ricos por o terem, os pobres por o desejarem, todos por nas “Índias” o espreitarem, isto é, na mirífica Europa.».
Este é um «ensaiozinho despretensioso e reflexivo de horas nocturnas», no dizer do próprio ensaísta, texto ágil, acutilante, intervencionista, predicados para um prazer incomensurável de leitura, dizemos nós. Em 123 páginas, com Introdução, três capítulos e um Índice Onomástico, Miguel Real consulta 800 anos de política, mentalidades, História da Cultura e História das Ideias para desembocar nas actuais páginas de jornais onde corre a narrativa sobre quem somos e em quem nos estamos a transformar. Sobre o resultado do comando do Estado por «títeres janotas que transfiguram a nobre arte da política numa cinzenta cadeia técnica de raciocínios casuais», «uma nova geração de engenheiros e economistas totalmente desprovida de espírito histórico», escreve o ensaísta:
«Portugal permanecerá, na sua posição relativa face aos países mais ricos da Europa, como se encontra desde o reinado de D. João III, na base da tabela», com um «povo pobre, analfabeto e supersticioso. (…) É o Portugal de D. João III (menos de 30 anos depois de D. João III tínhamos sido condenados à inexistência por Castela), o Portugal do “Nada para que caminhamos” de Marquesa de Alorna, um Portugal merecedor de um Gil Vicente, que infelizmente não o há. É a orgia báquica dos técnicos cinzentos e dos políticos janotas antes da grande derrocada, como aconteceu na segunda metade do século XVI e na passagem entre os séculos XVIII e XIX.». Invocando o nome grande das letras portuguesas que também designa o Dia de Portugal, escreve o ensaísta:
«Camões, de facto, merece ser o símbolo do povo português – homem azarado, poeta pobre, brigão, mulherengo, condenado pelo Estado, perseguido pela igreja, nunca terá frequentado a Universidade (“saber de experiência feito”), migrante do Império, ora aqui, ora acolá, a sua vida, como a de Fernão Mendes Pinto, reproduz a vida dos portugueses que nunca beijaram a sombra do Estado, adversa às elites reitoras do Poder.».
OS QUATRO COMPLEXOS DE PORTUGAL
Desenhando os quatros pontos cardiais por que Portugal se tem movimentado na sua História, Miguel Real apresenta quatro complexos culturais. O primeiro, da ORIGEM EXEMPLAR, é o complexo viriatino, que «emerge na segunda metade do século XVI», radicado na imagem de Viriato, «herói impoluto, puro, virtuoso, soldado modelo, chefe guerreiro íntegro, homem simples, pastor humilde que se revolta contra a prepotência do ocupante estrangeiro» que só pela traição é derrotado.
O segundo, o da NAÇÃO SUPERIOR, o complexo vieirinho, que irrompe depois de D. João III, Alcácer Quibir e a decadência do Império, com o Padre António Vieira a semear a esperança, anunciando-nos o Quinto Império «dourando-nos o futuro com o regresso anunciado às glórias do passado», e que «nos determina a desejarmos mais do que nos pedem as forças e nos exigem as circunstancias, pulsao social que orientou as caravelas portuguesas;»
O terceiro, da NAÇÃO INFERIOR, o complexo pombalino, radicado no ímpeto de Pombal, o da nação humilhada pelo seu atraso e sequiosa das luzes europeias, «hoje acefalamente política dominante do Estado português, que a segue como “bom aluno”.
Por fim, o do CANIBALISMO CULTURAL, o complexo canibalista, «que alimenta o desejo de cada pai de família portuguesa de se tornar súbdito do chefe ou do patrão, “familiar” do Tribunal da Inquisição, sicofanta da Intendência-Geral de Pina Manique, “informador” de qualquer uma das várias polícias políticas, carreirista do Estado, devoto acrítico da Igreja, histrião da claque de um clube de futebol, bisbilhoteiro do interior da casa dos vizinhos, denunciador ao supremo hierárquico», aludindo-se, na actualidade, à «perseguição a funcionários públicos rebeldes pelos poderes partidários instituídos pelo governo de José Sócrates/Cavaco Silva.».
«Se a vitória europeia de Portugal se consumar, terá sido a geração nascida entre 1940 e 1960 a matar D. Sebastião pela segunda vez», diz, sem que, no entanto, antes desafie:
«Resta aos homens de bem virarem as costas a esta nova elite tecnocrática que assaltou e se apoderou do Estado português (..) e, se puderem, emigrarem, clamando que aos homens-técnicos leva-os o Tejo e o Douro nas enxurradas de Inverno, os homens-cultos, esses, permanecem, recriando a nova imagem literária, estética e cultural por que Portugal posteriormente se reverá no espelho da História.».

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